LEITURA
Os livros na era da web
Numa época de textos curtos e fragmentados, cheios de hiperlinks, como
fica nossa relação com a leitura?
Texto
Ramon
Mello
O E-reader tem sido uma
ferramenta inovadora e polêmica como suporte de leitura
Em uma cena,
Marylin Monroe, com uma expressão concentrada, retira um livro da prateleira.
Em outra fotografia, Vinicius de Moraes posa com uma de suas antologias
poéticas. Ambas as imagens fazem parte do blog O Silêncio dos Livros
(osilenciodoslivros.blogspot.com), nome emprestado de um dos títulos do crítico
francês George Steiner. Apesar de falar de livros, o espaço virtual não traz
textos, apenas imagens variadas de pessoas lendo. São ilustrações, cenas de
filmes e telas de pintura que fazem pensar na relação entre os leitores e os
livros. Os personagens retratados transmitem enorme prazer com o livro; tanto
que é como se eles estivessem, na verdade, ajudando a criar as histórias, junto
com os autores. "Grande parte das imagens que conhecemos relacionadas com
leitura são de um silêncio absoluto. Existe melhor silêncio que aquele que o
leitor exige durante a leitura?", diz o português Hugo Miguel Costa,
livreiro de profissão e criador do blog. A relação entre quem lê e os livros é
uma relação íntima, silenciosa, cheia de carinho. Mas será que essa relação
permanecerá a mesma, em uma época em que os computadores estão em toda parte, e
as coisas que lemos são cada vez mais fragmentadas?
"Nos tempos que correm somos praticamente todos leitores, mas cada vez menos leitores de livros", afirma Costa. Lemos o tempo todo: e-mails, reportagens e artigos enviados por e-mail, frases e histórias contadas por amigos nas redes sociais, como Facebook e Twitter. Pulamos de um site a outro, seguindo os assuntos e chamadas que capturam nossa atenção, mesmo que apenas por alguns segundos. Mas será que toda essa atividade faz bem ou mal para nossos hábitos de leitura? A discussão não é gratuita: para um texto ganhar vida, ele precisa da interação com o leitor, e a forma como ele vai interagir com o texto vai alterar sua percepção do conteúdo. Quando lemos, lemos de um determinado lugar e em uma condição histórica. As palavras, sem ninguém para lê-las, não são grande coisa.
Essa forma
de encarar a relação entre leitor e autor é nova na história. Na Idade Média,
por exemplo, o documento manuscrito era considerado um padrão para o mundo. Não
se admitia interpretação nem teorias, que eram produtos da imaginação do
leitor. Com o tempo, isso mudou, e hoje a dinâmica da leitura, com a presença
do leitor quase como um coautor, é o que dá vida ao texto. Esse diálogo agora
se dá com as narrativas fragmentadas, de poucos caracteres, que encontramos na
web. Algumas pessoas são céticas. A psicanalista Sonia Viana, leitora
inveterada de livros de ficção e "dizedora de poesia", não gosta de
ler na internet. "Não é tão gostoso quanto ler o objeto livro",
afirma. "Por exemplo, acabei de ler o Não Há Silêncio Que Não Termine
(Cia. das Letras, 2010), dafranco-colombiana Ingrid Betancourt, e não me cansei
das 553 páginas." Na opinião de Sonia, a intimidade que existe entre o
leitor e o livro é única, e não pode ser reproduzida pelos meios virtuais.
Para Rosa
Gens, professora e doutora do Departamento de Literatura Brasileira da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, não se pode falar mais de leitor, mas
em grupos de leitura. "Com a chegada da internet, há pessoas que
continuaram lendo da mesma maneira. Não há como fazer um estereótipo de
leitor", diz. "Ao ler na internet, cria-se uma nova percepção do que
está sendo lido numa tela que rola." Rosa diz não saber responder se essa
nova forma de leitura muda a maneira de escrever. "Como professora, tudo
que posso dizer é que quem lê escreve muito bem."
A concepção
de leitura na sociedade contemporânea é muito diferente da sociedade de duas
décadas atrás; ela exige uma atenção múltipla para aprender a lidar com enorme
quantidade de links e hiperlinks conectados a um texto. Segundo a pesquisadora
Maria Lucia Santaella Braga, professora da PUC-SP e autora do livro O Perfil
Cognitivo do Leitor Imersivo (Paulus, 2004), hoje existem três tipos de leitor
convivendo ao mesmo tempo. Um deles é o leitor contemplativo, da era
pré-industrial. Outro é o leitor que ela chama de "movente", que lê
não só o livro impresso, mas também os signos urbanos. E, finalmente, o leitor
imersivo, que navega pelas redes de comunicação e tem a atenção necessária para
lidar com a enorme quantidade de links e hiperlinks ligados a um texto. São
três perfis, três formas de ler, que convivem lado a lado - e sem uma ser
melhor que a outra.
Segundo a
poeta e professora Suzana Vargas, autora de Leitura, uma Aprendizagem de Prazer
(José Olympio, 1997), os livros não devem ser confundidos com a leitura. Ela
acredita que os suportes se modificam, mas a leitura permanece a mesma. "A
minha fé é na leitura e não na forma como ela se dá", diz. "O ato de
ler é um ato de entrega. Eu leio um papiro da mesma forma que leio um livro. Eu
leio um e-book da mesma forma que leio um livro." Leitora contumaz, Suzana
se encantou com o Kindle, o e-reader lançado pela livraria virtual
norte-americana Amazon. Para ela, as virtudes da leitura não se perderam com o
fato de as letrinhas aparecerem em um suporte virtual. "Se a solidão é uma
certeza, o livro é uma companhia eterna - ele tem a capacidade de se
transformar a cada leitura", afirma a criadora do programa Rodas de Leitura
e do Estação das Letras.
Independentemente
do suporte, os brasileiros estão lendo mais. Ao menos segundo a pesquisa
"Retratos da Leitura no Brasil", a principal fonte sobre o
comportamento leitor no país. O estudo, apresentado em maio de 2010 pelo
Instituto Pró-Livro, constatou que 95 milhões de pessoas, ou seja, 55% da
população, são leitoras. O número é maior que os 49% da pesquisa anterior,
realizada entre 2000 e 2001. A pesquisa apontou também que o brasileiro lê, em
média, 4,7 livros por ano. "A maioria dos brasileiros associa a leitura ao
conhecimento, seja aquele que será utilizado na vida, seja aquele ligado a
situações específicas, como a escola. A internet pode mudar esse perfil na
medida em que enfrentar, como se espera que aconteça, a exclusão digital",
afirma o organizador de Retratos da Leitura no Brasil (Imprensa Oficial/SP,
2008), livro que reúne artigos de especialistas que se debruçaram sobre os
resultados da pesquisa. "Eu detesto ler em tela de computador - embora
leia dois jornais assim -, mas a web pode incentivar, de inúmeras formas, a
leitura, não necessariamente se oferecendo como suporte para essa leitura",
diz a escritora Adriana Lisboa, tradutora do livro A Arte de Ler (Casa da
Palavra, 2009), que ficou fascinada pelas imagens de leitores publicadas no
blog O Silêncio dos Livros. Com ou sem a web, o importante é que os novos
leitores possam, assim como os personagens retratados no blog, se deleitar ao
ler um bom livro - esteja ele impresso em papel ou brilhando na tela de um
iPad.
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