segunda-feira, 28 de maio de 2012
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Música na Pré-Escola Para Ouvir, Cantar e Tocar
Música na
Pré-Escola Para Ouvir, Cantar e Tocar.
Com composições de
qualidade, Roberto Schkolnick instroduziu as crianças ao mundo da música
Beatriz
Santomauro (bsantomauro@abril.com.br). Com apuração de Marcia Scapaticio
Escuta atenta Ao ouvir as músicas de Adoniran
Barbosa, as crianças identificaram os elementos que as compõem, como os refrões
e a introdução.
A
vitrola à esquerda foi bastante usada nas aulas de Música da Escola Jacarandá,
na capital paulista. Nela tocaram discos de Adoniran Barbosa (1910-1982),
artista que retratou a cidade de São Paulo numa época de crescente
industrialização e imigração intensa. Agora, Samba do Arnesto, Trem
das Onze, Saudosa Maloca e As Mariposa estão
na ponta da língua dos pequenos da pré-escola. O responsável é o professor
Roberto Schkolnick, que elaborou um projeto didático sobre o tema, realizado ao
longo de sete meses. Durante as atividades, a classe tocou vários instrumentos,
ouviu e cantou as músicas da época de seus avós e bisavós e aprendeu sobre o
contexto em que foram compostas.
Clélia
Cortez, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, ressalta o
espaço dado às situações de escuta. Segundo a especialista, é mais comum nas
aulas o momento de cantar do que o de ouvir prestando atenção nos detalhes das
canções. Schkolnick mostrou para as crianças diversas obras do artista e
escolheu trechos como "As mariposa, quando chega o frio, fica dando vorta em vorta da lâmpida pra
se esquenta" e "O Arnesto nos convidouprum samba,
ele mora no Brás, nóis fumo e num encontremo ninguém, nóis
vortemo com uma baita de uma reiva" para serem
cantados e analisados. Elas discutiram sobre palavras que não conheciam ou
sobre aquelas que, para eles, nem existiam, como "encontremo" ou
"reiva". Identificaram também que o "quais, quais, quais,
quais" é introdução do Samba do Arnesto. "Eles me
perguntavam se o Adoniran não sabia falar direito. Com isso, discutimos sobre o
efeito que o cantor produziu", conta o professor.
Outra etapa planejada pelo docente foi a da criação. Os pequenos puderam gravar o que cantaram. Em seguida, ouviram a voz de todos e analisaram quais cantavam alto demais, quais não eram ouvidos e que pontos precisavam ser ajustados. A vivência com os instrumentos teve outro desdobramento. O professor propôs que eles experimentassem tocar o triângulo e representassem no papel aqueles diferentes sons. Eles se alternaram entre tocar e desenhar e o resultado foram notações muito interessantes, em que conseguiam diferenciar os sons mais curtos (com pontinhos) e longos (com tracinhos), com estilos desenvolvidos por cada criança.
Outra etapa planejada pelo docente foi a da criação. Os pequenos puderam gravar o que cantaram. Em seguida, ouviram a voz de todos e analisaram quais cantavam alto demais, quais não eram ouvidos e que pontos precisavam ser ajustados. A vivência com os instrumentos teve outro desdobramento. O professor propôs que eles experimentassem tocar o triângulo e representassem no papel aqueles diferentes sons. Eles se alternaram entre tocar e desenhar e o resultado foram notações muito interessantes, em que conseguiam diferenciar os sons mais curtos (com pontinhos) e longos (com tracinhos), com estilos desenvolvidos por cada criança.
"Ao
ouvir um impulso sonoro, pode-se transpor o som percebido para outra
linguagem", explica Clélia. "As crianças colocam no papel o que a
percepção auditiva identificou, formando um primeiro tipo de registro
musical." Isso é muito diferente de ensinar partituras convencionais, mas
é uma maneira de fazer com que elas compreendam que o som pode ser transformado
em, por exemplo, desenho. Em Música na Educação Infantil (208
págs., Ed. Peirópolis, tel. 11/ 3816-0699, 49 reais), Teca Alencar de Brito
lembra que é importante considerar legítimo o modo como as crianças se
relacionam com os sons e os silêncios. Só assim, de acordo com ela, a
construção do conhecimento ocorre em contextos significativos, que incluam
criação, elaboração de hipóteses, descobertas, questionamentos, experimentos
etc. (leia a entrevista com a autora na última página).
Os
pais dos alunos foram parceiros importantes: um deles levou a vitrola e outros
compartilharam discos e livros sobre o artista e sua época, reunindo um acervo
completo para pesquisa. O professor deixou que a turma manuseasse os objetos,
leu textos e mostrou imagens que pudessem ajudar na compreensão do contexto em
que as músicas foram feitas. As crianças tiveram contato com a imigração e a
industrialização de São Paulo por meio dos sambas de Adoniran e do material
reunido.
No
fim, as diferentes etapas do trabalho foram organizadas em um songbook -
livro contendo letras das músicas, fotos e textos com a história do artista,
acompanhado de um CD com a gravação das canções de Adoniran na voz das
crianças.
O
ENSINO MUSICAL ONTEM E HOJE
Quem foi e onde viveu O contexto em que as músicas são criadas diz muito sobre elas. Com
as imagens, o professor mostrou a vida na São Paulo de antigamente.
Aulas
de Música como as de Schkolnick são raras (leia no quadro abaixo os
erros mais comuns) e isso é um reflexo histórico. Nas últimas décadas,
o espaço para esse conteúdo teve vários focos: o canto, o aprendizado de
determinados instrumentos ou a escrita de partituras. Em outros momentos, ele
foi deixado de lado ou ensinado sem planejamento e intencionalidade. Em 2011, ganhou
destaque quando um item da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
entrou em vigor e tornou a música obrigatória na Educação Básica - embora já
fizesse parte das aulas de Arte.
Para
as crianças da creche e da pré-escola, esse é um dos temas essenciais a serem
trabalhados, ao lado do movimento, da linguagem oral, da leitura e das artes
plásticas, entre outros, conforme indica o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil, documento do Governo Federal. Mas como
trabalhar o conteúdo nos anos iniciais de escolaridade?
"As
atividades devem ter como objetivo ampliar o contato da criança com a linguagem
sonora e musical e despertar o gosto por elas", diz Schkolnick. É a
chamada musicalização. As propostas devem sensibilizar para a escuta e para o
reconhecimento de diversas características do som, por exemplo, quando é grave
ou agudo, forte ou fraco. Outras questões importantes são identificar se a
música tem refrão e qual sua introdução, de que maneira o som pode ser
representado e quais os diferentes ritmos, entre tantos outros aspectos (leia
no quadro abaixo o que uma boa aula dessa disciplina na Educação Infantil deve
ter). Com base nesses conhecimentos, a criança desenvolverá sua capacidade
de escolha, discernindo o que considera de qualidade e o que é de seu gosto.
Fazer
perguntas como: "O que você está escutando agora?" e "Vocês
perceberam que essas frases já foram ditas na canção?" é uma maneira de
chamar a atenção da turma para elementos específicos, como o som de determinado
instrumento e o refrão. "Normalmente, se escuta a música como sendo uma
coisa única, um bloco só, sem perceber que são vários sons que a compõem",
conta o professor.
A
musicalização deve estar apoiada em três eixos: escuta ou apreciação (ouvir com
atenção, observando os elementos que fazem parte da música e os efeitos
produzidos por eles), prática e produção (mais do que "fazer direito"
ou dentro de moldes estabelecidos, é importante experimentar o contato com
instrumentos e com o canto), e contextualização (identificar em qual tempo e
espaço as obras foram criadas e saber que são fruto de certas culturas).
Conforme o objetivo das aulas, um ou outro podem ter peso maior - nem sempre,
por exemplo, é essencial explorar o contexto de criação da música.
Esse
tipo de abordagem cria uma base para um estudo mais estruturado da linguagem
musical, incluindo a teoria, as técnicas e os conceitos, inclusive a
alfabetização musical (a escrita das notas ou símbolos). Mesmo que isso seja
feito, porém, não se deve dispensar as atividades que levam à sensibilização
para a música - aliás, ela pode ser desenvolvida por toda a vida. "É
importante, sempre, trabalhar melodia, harmonia, ritmo e canto. Ensinar apenas
um instrumento é restritivo e faz com que se perca a visão do todo",
reforça Schkolnick.
Uma Boa Aula De Música...
...explora
o som e o silêncio
A música é
um som feito com base no silêncio. O professor deve propiciar momentos para a
criança refletir sobre ambos, identificar os instrumentos e dar espaço à
invenção das próprias músicas.
...contextualiza
o músico e sua obra
A música
sempre é feita num lugar, num tempo e num espaço definidos. Tendo essas
informações, a turma pode compreender melhor a obra e até estabelecer
relações com sua vida.
...deixa
que os alunos soltem a voz
O canto é
o nosso primeiro instrumento e precisa fazer parte da rotina. O gravador é um
bom recurso para analisar o que foi feito.
...permite tocar de tudo
Explorar o
som com vários objetos é um modo de enriquecer o repertório. A turma deve
experimentar os instrumentos espontaneamente e também em atividades dirigidas
pelo educador.
...mostra
como ouvir com atenção
É
fundamental que as crianças ouçam, cantem e toquem músicas criadas por elas
próprias e outras composições em atividades interligadas. Criar o hábito da
audição é importante, pois vivemos numa sociedade totalmente visual, na qual
os sons raramente aparecem dissociados das imagens.
...vai além dos sons conhecidos
Trilhas
sonoras de programas infantis ou filmes podem fazer parte do cotidiano das
famílias, mas a escola deve proporcionar o contato com outros tipos de
canção. A intenção do professor deve ser ampliar o que a turma já sabe e
ajudar a desenvolver critérios de seleção do que quer escutar.
Consultoria Berenice de Almeida, pianista e professora da Escola Municipal de Iniciação Artística, em São Paulo, autora de Encontros Musicais: Pensar e Fazer Música na Sala de Aula (304 págs., Ed. Melhoramentos, tel. 11/3874-0880). |
Os Erros Mais Comuns
- Usar a
música para ações corriqueiras.
Cantar no
momento das refeições não deve substituir o ensino dessa linguagem.
- Mostrar apenas canções infantis.
Qualquer
tipo de música, desde que seja de qualidade, é bom para os pequenos.
- Reforçar o que já é conhecido.
Deve-se
ampliar o repertório da classe.
- Ignorar os conhecimentos da turma.
Sabendo o
que faz parte da bagagem do grupo, é possível propor atividades ligadas a
ele, oferecendo informações que não seriam acessadas sem orientação.
|
"O
SER HUMANO É MUSICAL"
Teca Alencar de Brito, professora do curso de Licenciatura em Música da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Como deve ser um bom professor de Música?
TECA
ALENCAR DE BRITO O ideal é que ele
tenha formação musical, para que essa arte seja valorizada pelo que ela é, e
conhecimento pedagógico, para que leve em conta o pensamento dos alunos. É
preciso se aproximar da criança e conhecer o significado que ela atribui à
música, que não é uma coisa fechada e não pode ser entendida apenas como
"a escala fá, dó, ré, si". Ela deve ser vista mais amplamente, como
resultado de tempos e espaços diferentes e de pessoas que escutaram e
construíram suas próprias formas sonoras. Por isso, temos estilos do Ocidente e
do Oriente, o clássico e o contemporâneo e também aquele que combina com as
ideias de cada um. Se o professor tem esse olhar, procura construir as aulas
com os alunos. Mas, se apenas diz qual o jeito certo de tocar, eles só reproduzem.
Nos últimos anos, o que mudou na maneira de os professores verem o ensino desse conteúdo?
Nos últimos anos, o que mudou na maneira de os professores verem o ensino desse conteúdo?
TECA As pessoas estão com o desejo de desenvolver um
saber mais especializado. Mas os cursos de licenciatura têm um pequeno número
de vagas e existem músicos (ou pessoas que querem se especializar na área)
interessados em lecionar sem a devida formação. Não basta saber tocar, cantar e
gostar de criança. Já recebi telefonemas de pessoas dizendo: "Você não
pode me dar umas dicas porque eu vou começar a dar aula amanhã?" Para
ensinar é preciso estar muito bem preparado.
Como devem ser as aulas?
Como devem ser as aulas?
TECA O professor tem de estar disposto a ousar e
experimentar, sem ficar tão preocupado com um resultado predefinido. Nas
escolas, falta espaço para criar e para valorizar a invenção da criança. Já vi
um menino sentar no piano e, improvisando, chamar a mãe para tocar também. Mas
ela disse que não sabia e ele respondeu: "Não precisa, eu já sei. Vem aqui
que te ensino". Se para ele o mais importante é produzir, então todos podem
tocar piano! Se esse garoto não faz música, quem a faz? Quantas vezes, no
entanto, vemos as pessoas deixarem as crianças tocar livremente? Na Educação
Infantil, os educadores podem inventar sonoridades e não achar que para
aprender essa manifestação artística deve haver repetição.
O que fazer se a escola não possui a infraestrutura adequada para desenvolver um trabalho de qualidade nessa área?
O que fazer se a escola não possui a infraestrutura adequada para desenvolver um trabalho de qualidade nessa área?
TECA Sempre ouço essa pergunta quando mostro as
experiências que temos na escola. O que respondo é que podemos entrar no jogo
da invenção, construir materiais bons e explorá-los. A intenção não precisa ser
construir instrumentos sofisticados, mas promover a descoberta dos sons ou do
timbre produzidos quando, por exemplo, se bate numa caixa de papel. Quando a
criança usa um instrumento clássico, não vai tratá-lo do jeito tradicional, e
não há nenhum problema nisso. Os pequenos dão valor a coisas simples, como um
papelão ondulado e um palito que juntos formam um reco-reco.
Por que a criança deve estudar Música?
Por que a criança deve estudar Música?
TECA Porque é essencial. De modo geral, a Educação deve
considerar o ser humano, o ambiente e a cultura e integrar os conhecimentos e
todas as áreas. A música não deve ser colocada a serviço de outras disciplinas
consideradas prioritárias porque ela é importante por si mesma, para a vida. O
ser humano é musical, no decorrer da sua evolução transformou os sons de modo a
criar composições. Nunca ouvimos alguém dizer que a pessoa aprende Matemática
para desenvolver a capacidade musical, mas o contrário, que essa arte é
importante para o raciocínio matemático ou porque estimula o processo de
alfabetização. Esse não deve ser o motivo de ela estar presente. Mas um bom
trabalho pode mesmo facilitar a aprendizagem de outros conteúdos, pois você
apura a sua audição e desenvolve o sistema de relações entre som e silêncio.
LEITURA - Os Livros na era da Web
LEITURA
Os livros na era da web
Numa época de textos curtos e fragmentados, cheios de hiperlinks, como
fica nossa relação com a leitura?
Texto
Ramon
Mello
O E-reader tem sido uma
ferramenta inovadora e polêmica como suporte de leitura
Em uma cena,
Marylin Monroe, com uma expressão concentrada, retira um livro da prateleira.
Em outra fotografia, Vinicius de Moraes posa com uma de suas antologias
poéticas. Ambas as imagens fazem parte do blog O Silêncio dos Livros
(osilenciodoslivros.blogspot.com), nome emprestado de um dos títulos do crítico
francês George Steiner. Apesar de falar de livros, o espaço virtual não traz
textos, apenas imagens variadas de pessoas lendo. São ilustrações, cenas de
filmes e telas de pintura que fazem pensar na relação entre os leitores e os
livros. Os personagens retratados transmitem enorme prazer com o livro; tanto
que é como se eles estivessem, na verdade, ajudando a criar as histórias, junto
com os autores. "Grande parte das imagens que conhecemos relacionadas com
leitura são de um silêncio absoluto. Existe melhor silêncio que aquele que o
leitor exige durante a leitura?", diz o português Hugo Miguel Costa,
livreiro de profissão e criador do blog. A relação entre quem lê e os livros é
uma relação íntima, silenciosa, cheia de carinho. Mas será que essa relação
permanecerá a mesma, em uma época em que os computadores estão em toda parte, e
as coisas que lemos são cada vez mais fragmentadas?
"Nos tempos que correm somos praticamente todos leitores, mas cada vez menos leitores de livros", afirma Costa. Lemos o tempo todo: e-mails, reportagens e artigos enviados por e-mail, frases e histórias contadas por amigos nas redes sociais, como Facebook e Twitter. Pulamos de um site a outro, seguindo os assuntos e chamadas que capturam nossa atenção, mesmo que apenas por alguns segundos. Mas será que toda essa atividade faz bem ou mal para nossos hábitos de leitura? A discussão não é gratuita: para um texto ganhar vida, ele precisa da interação com o leitor, e a forma como ele vai interagir com o texto vai alterar sua percepção do conteúdo. Quando lemos, lemos de um determinado lugar e em uma condição histórica. As palavras, sem ninguém para lê-las, não são grande coisa.
Essa forma
de encarar a relação entre leitor e autor é nova na história. Na Idade Média,
por exemplo, o documento manuscrito era considerado um padrão para o mundo. Não
se admitia interpretação nem teorias, que eram produtos da imaginação do
leitor. Com o tempo, isso mudou, e hoje a dinâmica da leitura, com a presença
do leitor quase como um coautor, é o que dá vida ao texto. Esse diálogo agora
se dá com as narrativas fragmentadas, de poucos caracteres, que encontramos na
web. Algumas pessoas são céticas. A psicanalista Sonia Viana, leitora
inveterada de livros de ficção e "dizedora de poesia", não gosta de
ler na internet. "Não é tão gostoso quanto ler o objeto livro",
afirma. "Por exemplo, acabei de ler o Não Há Silêncio Que Não Termine
(Cia. das Letras, 2010), dafranco-colombiana Ingrid Betancourt, e não me cansei
das 553 páginas." Na opinião de Sonia, a intimidade que existe entre o
leitor e o livro é única, e não pode ser reproduzida pelos meios virtuais.
Para Rosa
Gens, professora e doutora do Departamento de Literatura Brasileira da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, não se pode falar mais de leitor, mas
em grupos de leitura. "Com a chegada da internet, há pessoas que
continuaram lendo da mesma maneira. Não há como fazer um estereótipo de
leitor", diz. "Ao ler na internet, cria-se uma nova percepção do que
está sendo lido numa tela que rola." Rosa diz não saber responder se essa
nova forma de leitura muda a maneira de escrever. "Como professora, tudo
que posso dizer é que quem lê escreve muito bem."
A concepção
de leitura na sociedade contemporânea é muito diferente da sociedade de duas
décadas atrás; ela exige uma atenção múltipla para aprender a lidar com enorme
quantidade de links e hiperlinks conectados a um texto. Segundo a pesquisadora
Maria Lucia Santaella Braga, professora da PUC-SP e autora do livro O Perfil
Cognitivo do Leitor Imersivo (Paulus, 2004), hoje existem três tipos de leitor
convivendo ao mesmo tempo. Um deles é o leitor contemplativo, da era
pré-industrial. Outro é o leitor que ela chama de "movente", que lê
não só o livro impresso, mas também os signos urbanos. E, finalmente, o leitor
imersivo, que navega pelas redes de comunicação e tem a atenção necessária para
lidar com a enorme quantidade de links e hiperlinks ligados a um texto. São
três perfis, três formas de ler, que convivem lado a lado - e sem uma ser
melhor que a outra.
Segundo a
poeta e professora Suzana Vargas, autora de Leitura, uma Aprendizagem de Prazer
(José Olympio, 1997), os livros não devem ser confundidos com a leitura. Ela
acredita que os suportes se modificam, mas a leitura permanece a mesma. "A
minha fé é na leitura e não na forma como ela se dá", diz. "O ato de
ler é um ato de entrega. Eu leio um papiro da mesma forma que leio um livro. Eu
leio um e-book da mesma forma que leio um livro." Leitora contumaz, Suzana
se encantou com o Kindle, o e-reader lançado pela livraria virtual
norte-americana Amazon. Para ela, as virtudes da leitura não se perderam com o
fato de as letrinhas aparecerem em um suporte virtual. "Se a solidão é uma
certeza, o livro é uma companhia eterna - ele tem a capacidade de se
transformar a cada leitura", afirma a criadora do programa Rodas de Leitura
e do Estação das Letras.
Independentemente
do suporte, os brasileiros estão lendo mais. Ao menos segundo a pesquisa
"Retratos da Leitura no Brasil", a principal fonte sobre o
comportamento leitor no país. O estudo, apresentado em maio de 2010 pelo
Instituto Pró-Livro, constatou que 95 milhões de pessoas, ou seja, 55% da
população, são leitoras. O número é maior que os 49% da pesquisa anterior,
realizada entre 2000 e 2001. A pesquisa apontou também que o brasileiro lê, em
média, 4,7 livros por ano. "A maioria dos brasileiros associa a leitura ao
conhecimento, seja aquele que será utilizado na vida, seja aquele ligado a
situações específicas, como a escola. A internet pode mudar esse perfil na
medida em que enfrentar, como se espera que aconteça, a exclusão digital",
afirma o organizador de Retratos da Leitura no Brasil (Imprensa Oficial/SP,
2008), livro que reúne artigos de especialistas que se debruçaram sobre os
resultados da pesquisa. "Eu detesto ler em tela de computador - embora
leia dois jornais assim -, mas a web pode incentivar, de inúmeras formas, a
leitura, não necessariamente se oferecendo como suporte para essa leitura",
diz a escritora Adriana Lisboa, tradutora do livro A Arte de Ler (Casa da
Palavra, 2009), que ficou fascinada pelas imagens de leitores publicadas no
blog O Silêncio dos Livros. Com ou sem a web, o importante é que os novos
leitores possam, assim como os personagens retratados no blog, se deleitar ao
ler um bom livro - esteja ele impresso em papel ou brilhando na tela de um
iPad.
ESCRITA - A mão ativa o Cérebro
ESCRITA
A mão ativa o Cérebro
A palavra escrita no papel está
ameaçada de extinção pelo computador - e isso pode não ser bom para o ensino
Texto Luís Guilherme Barrucho
O hábito da escrita vem caindo em desuso à medida
que o computador se dissemina
O momento em que o homem começou a
expressar-se por meio da escrita, gravando caracteres em tabletas de argila há
cerca de 5 000 anos, marca ofim da pré-história e a pedra fundamental das
civilizações tal como as conhecemos hoje. Mas a maneira como desde então a
humanidade vem perpetuando sua memória e transmitindo conhecimento de uma
geração para outra pode virar peça de museu. Na semana passada, uma decisão
tomada nos Estados Unidos veio reforçar essa ideia que tanto atormenta os (cada
vez mais raros) entusiastas do lápis e do papel. Em ato inédito, o governo do
estado de Indiana desobrigou as escolas de ensinar a escrita cursiva (aquela em
que as letras são emendadas umas nas outras) e recomendou que elas passassem a
dedicar-se mais à digitação em teclados de computador - decisão que deve ser
acompanhada por outros quarenta estados seguidores do mesmo currículo. Oficializa-se
com isso algo que, na prática, já se percebe de forma acentuada, inclusive no
Brasil. Diz a VEJA o especialista americano Mark Warschauer, professor da
Universidade da Califórnia: "Ter destreza no computador tornou-se um bem
infinitamente mais valioso do que produzir uma boa letra".
Ninguém de bom-senso discorda disso. Um conjunto recente de pesquisas na área da neurociência, no entanto, sugere uma reflexão acerca dos efeitos devastadores do computador sobre a tradição da escrita em papel. Por meio da observação do cérebro de crianças e adultos, verificou-se de forma bastante clara que a escrita de próprio punho provoca uma atividade significativamente mais intensa que a da digitação na região dedicada ao processamento das informações armazenadas na memória (o córtex pré-frontal), o que tem conexão direta com a elaboração e a expressão de ideias. Está provado também que o ato de escrever desencadeia ligações entre os neurônios naquela parte do cérebro que faz o reconhecimento visual das palavras, contribuindo assim para a fluidez na leitura. Com a digitação, essa área fica inativa. "Pelas habilidades que requer, o exercício da escrita manual é mais sofisticado, por isso põe o cérebro para trabalhar com mais vigor", explica a neurocientista Elvira Souza Lima, especialista em desenvolvimento humano. Isso só vem reforçar a complexidade do problema sobre o qual as escolas estão hoje debruçadas.
Na Antiguidade, os egípcios tinham nas letras um objeto sagrado, inventado pelos deuses. Sinônimo de status, a caligrafia irretocável foi por séculos na China um pré-requisito para ingressar na prestigiada carreira pública. No Brasil, a caligrafia constava entre as habilidades avaliadas nos exames de admissão do antigo ginásio até a década de 70, e era ensinada com esmero na sala de aula. O hábito da escrita vem caindo em desuso à medida que o computador - cujo primeiro chip foi traçado pelo americano Gordon Moore de posse de um velho lápis - se dissemina. Até aqui, foi a palavra eternizada em papel (ou pedra, pergaminho, papiro) que se encarregou de registrar a história da humanidade, não raro em garranchos deixados por seus protagonistas (veja ao lado). O computador traz uma nova dimensão à aquisição de conhecimento e à interação entre as gerações que chegam aos bancos escolares. Para elas, escrever a mão corre o risco de se tornar apenas mais um registro do passado guardado em arquivo digital.
Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/mao-ativa-cerebro-635803.shtml
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